segunda-feira, 30 de novembro de 2009

é, ele continua...


Sim, lá vem ele falar do Rio. Um dia, três, dez, um mês. Independe do tempo que dura a estadia, eu volto melancólico. E tem sido cada vez mais difícil voltar de lá. O Rio é e continua sendo... E eu me identifico com cada curvinha dessa cidade. Com o jeito mal-humorado e sem papas na língua, o descompromisso do "vou te ligar" (e não liga), mais um chopinho no Informal, uma paradinha no Sorvete Itália, dormir na praia em meio a incessantes gritos de Mate, Biscoito Globo, queijo coalho e Skol (nesse, estou sempre de olho). Nesta última fiquei totalmente zona sul. E totalmente curtindo o dia, a Lagoa e o miolo Coqueirão-Posto 9... É. O Rio é bom a qualquer hora. E é pouco dizer que eu amo o Rio, e por isso mesmo não vou divagar horas a fio sobre ele. Tenho ele em cabeça e coração. E isso já é um acalento.

sábado, 28 de novembro de 2009

de batuta em batuta


Acordes de um pai para dois filhos
Petrobras Sinfônica lembra 10 anos de morte do fundador, Armando Prazeres

Pedro Henrique França, do RIO

Carlos e Felipe Prazeres ouviram, na infância, pouca música daquela que pode se considerar "normal". Sim, tiveram LP dos Menudos e do Lulu Santos. Mas foi só uma fase. Na escola, omitiam o gosto por Mozart. E depois das aulas, não iam farrear nas ruas do Alto da Boa Vista, zona norte do Rio. Com o pai, Armando Prazeres, passavam a tarde no salão nobre da Petrobras. E não que eles ficassem em uma espécie de creche do prédio executivo, nem que fossem exemplos de bons meninos (ambos foram reprovados mais de uma vez na escola).

Carlos e Felipe cresceram no palco, ao som de sinfonias e peças de Beethoven e outros grandes da música erudita. Explica-se: Armando Prazeres foi o fundador da Petrobras Sinfônica (que nasceu como Orquestra Pró-Música, em 72, e ganhou o nome da estatal, e seu amparo financeiro, em 87). A entrada precoce no universo erudito, porém, não foi nada forçado. "Meu pai era muito relax", dizem, quase em coro, os irmãos em uma noite abafada em Ipanema, após um chope e outro em um típico botequim carioca.

Carlos, hoje com 35 anos, e Felipe, com 33, deixaram de ser meros contempladores dos acordes da orquestra e das regências do pai com, respectivamente, 13 e 11 anos. O mais novo se encontrou logo no violino, enquanto Carlos oscilou entre o violoncelo até se firmar no oboé. Entraram na orquestra já no fim da adolescência. E encararam cedo os comentários maldosos de "olha lá, os filhos do fundador". Mas conquistaram o respeito (Felipe é atualmente spalla da orquestra, e Carlos o maestro-assistente do titular Isaac Karabtchevsky, à frente desde 2004). As lembranças se confundem num misto de saudade com o tom de superação, sempre tendo o pai como referência. Em janeiro de 99, Carlos e Felipe foram atingidos de frente pela violência do Rio. O pai havia sido encontrado morto no subúrbio (a versão apresentada de latrocínio até hoje os confunde). Com alguns meses de atraso - por conta da crise econômica -, Carlos e Felipe lembram, hoje e amanhã, os 10 anos de morte em concerto-homenagem na Sala Cecília Meireles, com a Orquestra Petrobras Sinfônica, dentro da série Portinari, e participações do soprano Bernardo Francisco Speranza (menino de 9 anos) e do barítono Marcelo Coutinho, além do Coral dos Canarinhos de Petrópolis. O programa tem obras de César Guerra-Peixe, Vaughan Williams e Fauré. E uma do pai: Improviso para Cordas, encontrada somente anos depois da morte de Armando. Na terça, tem nova récita, desta vez sem a presença de Felipe (e com uma peça de Claudio Santoro, em troca de Vaughan Williams).

"Não foi fácil passar por tudo isso", lembra Carlos. O "tudo isso" abarca uma série de desdobramentos que vieram após o trágico ano de 99. Com a morte de seu idealizador, a orquestra teve sua história ameaçada em virtude de acontecimentos que envolviam o apoio da empresa mantenedora, a Petrobras. E passou por atritos familiares - que hoje Carlos e Felipe evitam repercutir. Tudo isso, dizem, são etapas passadas, vencidas. "Pelo amor à música", pontua Carlos, repetindo quase que um mantra do pai.

Há dez anos, Carlos e Felipe ainda eram estudantes promissores da música. O primeiro havia acabado de ir estudar com a Filarmônica de Berlim (para Armando, a meca da música erudita). Felipe, por sua vez, estava em Curitiba para uma récita. Os dois viram Armando vivo pela última vez no aeroporto - um "até logo" que jamais pensavam que seria eterno. Em lados opostos do mundo, eles reagiram à morte com uma certa frieza, como se não acreditassem no que ouviam ao telefone. Eles queriam honrar seus compromissos, numa clara tentativa de fuga da realidade.

Hoje recordam de Armando como se ele tivesse dito ontem, em trânsito na Estrada Velha da Tijuca, ainda no início da adolescência: "Acho que já está na hora de vocês tocarem um instrumento." "Creio que meu pai nunca imaginou até onde íamos chegar", diz Carlos.

Ao serem questionados se ainda garotos não tiveram vontade de seguir outros caminhos, eles hesitam. "Ah, eu pensei em ser motorista daqueles carrinhos de aeroporto. Mas passou rápido", diz o mais novo. Carlos não conseguiu lembrar de nenhum outro sonho profissional. O pai não ensinou a eles a emoção do futebol: o time escolhido, o Vasco, foi influência dos tios por parte de mãe. De Armando, como se vê, ficou mesmo a vocação e a paixão pela música.

Ao prospectar o futuro, Carlos prevê o dia em que terão de se afastar para tirar o clima de "corporativismo". Vai ser difícil, eles sabem. Mas vão saber encarar numa "relax", como bem ensinou Armando.

*Publicado originalmente no O Estado de S. Paulo, no Caderno 2, edição de 28/11/2009

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

eterna negrita

Mercedes Sosa nos deixou em outubro. Foi uma perda inestimável para a música latina. E a geração de hoje sabe disso - ainda bem. A eterna negrita tomou a iniciativa da aproximação. No CD 'Cantora' ela registra belissímos duetos com alguns representantes atuais. Acima, Mercedes canta com o uruguaio Jorge Drexler a delicada 'Sea'. Um deleite para os ouvidos.

Mano Brown pop? E daí?

O líder dos Racionais MCs, Mano Brown, é a provável capa de dezembro da revista Rolling Stone. Quer saber? Essa levada mais suingada do último trabalho do conjunto paulsitano de rap me agrada. E essa abertura dele com a mídia também. Essa história de que ficar pop prejudica o trabalho é conversa para boi (socialista?) dormir. E tenho dito.

a propósito...

Para quem ainda não viu, segue o trailer oficial de 'Lula, O Filho do Brasil', longa de Fábio Barreto que estreia dia 1/1/2010 nos cinemas. Pode ser uma bandeira eleitoral, de fato, como brada a oposição. Mas não há o que dizer (nem fazer): vai estrear e ponto. E as expectativas de bilheteria são grandes (fala-se em 10 milhões). Vem aí um novo recorde nacional, sem dúvida.

o medo do vampirão

A briga eleitoral começa a esquentar. PSDB e partidos aliados (DEM e PPS) cobram uma posição do vampirão José Serra: vai ou não vai? É fato, Zé Serra está super melindrado, morrendo de medo de entrar na disputa. Sabe que se entrar e perder terá como ganho uma espécie de aposentadoria antecipada da carreira política. Pesquisa divulgada segunda-feira pela CNT/Sensus aponta tendência de queda do tucano: tem 31,8% contra 21,7% de Dilma Roussef (a candidata do PT). Depois vêm Ciro Gomes (17,5%), seguido de Marina Silva, com 5,9%.
Diz a pesquisa que o Serra perdeu 15 pontos porcentuais em relação ao início das pesquisas em dezembro do ano passado. Neste cenário é coerente que ele repense sua entrada. Aécio, por ser uma nova candidatura, a meu ver, tem mais condições de crescimento e fortalecimento da legenda tucana. Serra dificilmente angaria novos votos - talvez, com a saída de Ciro da disputa para sair candidato a governo de São Paulo. Os tucanos, por sua vez, insistem que Serra deve entrar na disputa presidencial (diante das atuais pesquisas é, fato, o nome mais forte da legenda).
A chapa já está esquentando. Vem briga boa pela frente.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

sim, eu concordo com a Veja



Era o que me faltava. Digam o que quiserem da Revista Veja, mas a matéria de Marcelo Marthe desta semana está correta do começo ao fim. Na reportagem, ele fala sobre a nova polêmica de 'Viver a Vida': o tapa na cara de Helena (Taís Araujo) dado por Tereza (Lilia Cabral). E diz em sua linha fina: "A humilhação de Taís Araújo faz com que Viver a Vida finalmente dê o que falar. Já tem até militante do movimento negro dizendo besteira". Pode parecer reacionário. Não, não é. Segue a matéria abaixo, na íntegra.

Na última segunda-feira, a novela Viver a Vida exibiu o que não havia exibido até aqui: cenas que o público comentou e comentou de novo nos dias seguintes. Acossada em sua própria casa por Tereza (Lilia Cabral), a mocinha Helena (Taís Araújo) suportou calada a acusação de que seria culpada pelo acidente automobilístico que deixou a filha da megera, Luciana (Alinne Moraes), tetraplégica. Empapada em lágrimas (e, à falta de um lenço, limpando compulsivamente o nariz com as mãos), Helena então caiu de joelhos para suplicar perdão. Tereza não deixou barato. Aplicou-lhe uma sonora bofetada, mas sem perder a fleuma: enquanto batia com uma mão, mantinha a outra elegantemente enfiada no bolso do terninho.
No mesmo capítulo, Luciana sacudiu-se toda na cama do hospital ao ser informada pelos médicos de que estava incapacitada de se movimentar (quanto mais se sacudir) do pescoço para baixo. Para conjugar lágrimas com sangue, a cirurgia de reconstituição de sua coluna foi mostrada sem economia nos detalhes clínicos. Embora a audiência ainda esteja fraca, essas sequências "fortes" finalmente transformaram Viver a Vida em tema de discussão. Provocaram até reações dos chatos de sempre: as vertentes paranoicas do movimento negro ouviram ecos escravistas na humilhação de Helena por uma branca. As cenas também causaram comoção nos bastidores. Atores e técnicos se debulharam em lágrimas nas gravações do drama de Luciana. Após a cena do tabefe, o pessoal no estúdio aplaudiu. "A Taís chorou todo aquele volume de lágrimas de verdade, tadinha", diz Lilia Cabral. "Ela é emoção pura."

O episódio de segunda-feira marca uma guinada e tanto da personagem de Taís Araújo. Na primeira fase da novela, Helena era uma modelo altiva e segura de si. Mas sondagens feitas pela Globo demonstraram o óbvio: a protagonista não despertava simpatia. Ao contrário, passava a imagem de garota superficial e arrogante (na direção da emissora, há quem acredite que o problema esteja na inadequação da própria atriz: alguns acham que a colega Camila Pitanga funcionaria melhor). Espera-se que o sofrimento e a humilhação pelos quais está passando (já previstos na sinopse, ressalve-se) revertam a aura de antipatia. Trata-se de um caminho bem diferente do habitual para resgatar heroínas problemáticas. Tem sido mais costumeiro que elas não empolguem o público por serem boazinhas demais, no limiar da tontice. Para redimi-las diante do público, a receita é uma só: a mocinha tem de aplicar surras homéricas na vilã. Foi o caso de Maria Clara, a patetona vivida por Malu Mader em Celebridade, de 2003, que superou a chatice esbofeteando a rival Laura (Cláudia Abreu). No caso de Helena, deu-se o contrário: precisou apanhar de uma megera para virar gente.

A humilhação de Helena ainda não surtiu nenhum efeito visível no ibope. Naquela noite, a audiência de Viver a Vida permaneceu nos mesmos 37 pontos que a trama das 8 já vinha alcançando na Grande São Paulo. Na quarta-feira, quando um número excepcionalmente baixo de televisores ligados prejudicou a audiência das redes em geral, despencou para 31 pontos - índice muito aquém do mínimo de 40 pontos esperados pela emissora para o horário. Se a escalada dramática não repercutiu na audiência, pelo menos deu combustível para o humor. A personagem de Alinne Moraes, que emergiu de um acidente violento com a maquiagem impecável e um band-aid na bochecha, deu mote para as melhores piadas. O colunista José Simão, da Folha de S.Paulo, comparou os lábios da atriz a um "bico de tênis Conga". E há quem diga que sua boca finalmente se livrou do resto do corpo para brilhar sozinha. A paródia do Casseta & Planeta foi mais cruel com a personagem deficiente do que com a atriz: uma das piadas do programa, na semana passada, afirmava que Luciana sairá do hospital "com um pé nas costas". A crueldade, aliás, ganha voz na própria novela, com a viborazinha Isabel (Adriana Birolli) - cujo primeiro impulso ao saber dos impedimentos físicos da irmã mais velha foi o de se apossar da barra de balé que Luciana tinha no quarto.

Heroínas de novela foram feitas para sofrer desbragadamente. Comparadas à agonia de Alinne Moraes, que agora só pode mexer o bocão e os olhos verdes, as chorosas tribulações de Taís Araújo são fichinha. Mas os patrulheiros da ideologia racial nada entendem de drama televisivo. No site da CUT, Maria Júlia Nogueira, secretária da central sindical pelega, tascou sua sentença: "A Globo humilha os negros no mês da consciência negra". A escalação de Taís para protagonista de uma novela das 8 - e o fato de sua personagem ser uma mulher de sucesso sem ter de levantar bandeiras - prova exatamente o contrário.

irmã da vida


Hoje é dia dessa loirassa aí ao meu lado. É com ela que eu passo aqueles momentos bem cafonas de ligar um Zezé di Camargo ou um Caetano no último e cantar para quem quiser ouvir. E se não gostar que feche o vidro. A gente é folgado assim mesmo, malucos. Gostamos de um mundo divertido, nada sem graça e com muita cerveja - aquela né rê, bem branquinha. Aliás, num dia como esse só podia ter chuva, suor e cerveja. Foi por isso que os deuses promoveram nosso encontro. Porque somos intempestivos como uma chuva de 3 da tarde, sempre atrás daquele nosso raio de sol, escondido em algum lugar por aí. E a cerveja? Bom, essa é a única que a gente tem certeza de estar sempre ali. Hoje é dia de Renata Megale. E de um pequeno coração bater mais forte, só pra ela.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

imperdível

depois da série 'kill bill' (que não, eu não sou fã), quentin tarantino retorna com 'bastardos inglórios', um filme simplesmente espetacular. falo isso com atraso, eu sei. mas quem ainda não viu, não deixe de ver. na telona!

sir sting

depois do show do the killers passei o domingo pensando se eu ia me enfiar no kit-roubada-chácara-do-jockey outra vez. ou se optava pelo monumento joss stone (aí é covardia...) no hsbc brasil. cogitei não ir em nenhum. mas a profissão falou mais alto... e venceu a preguiça. ok, vamos ver sting. valeu a pena. o cara é um puta músico - é completo. a chuva, ao fim do jason mraz, fez pensar o quanto tudo teria valido a pena. por volta das 22h30, na reta final para encerrar o show, já depois de 1h30, veio a certeza de que veteranos do rock geralmente obtêm tal título pq honram suas medalhas.

domingo, 22 de novembro de 2009

puta encontro

achei esse outro vídeo. muito foda: a menina (e poderosa) joss stone ao lado de ninguém menos que o rei do funk, james brown. fodido!

pés descalços

domingueira de pés descalços no palco. na chácara do jockey, jason mraz entoa o hit (chiclete) pop 'i'm yours'. mas vale mesmo sair de casa para ir até o hsbc brasil ver o monumento joss stone, em lançamento de 'color me free'. o vídeo acima é uma das boas pérolas do disco.

sábado, 21 de novembro de 2009

faces do (bom) exagero



Recentemente tive a oportunidade de entrevistar Ney Matogrosso ao vivo, no estúdio do SBT, minutos antes de entrar para gravar o Programa da Hebe. Ney falou sobre o novo disco, 'Beijo Bandido', simulou a sedutora interpretação de 'Nada Por Mim' apoiado em um banquinho, mas lembrou que o atual trabalho nada tem a ver com um momento autobiográfico, com uma paixão pessoal. "É romântico, mas nada melancólico", disse. E ele ainda ama? "Claro, não estou morto, tenho testosterona ainda". Emendo que certo dia falei com Erasmo Carlos e ele me admitiu ter saudades da parte física obecer de imediato o que a mental quer. Ney faz cara de sarcasmo, de gracejo. E diz: "Ah, a minha obedece".
O homem que revolucionou a arte com Secos e Molhados diz que o frenesi feminino o acalenta. Confessa que teve medo de ser rejeitado. "Achava que as mulheres fossem me achar uma coisa esquisita. E é claro que não queria isso, não queria ser rejeitado". Ele pede uma pausa para fazer um trabalho de 'desentupimento'. "Tenho um desvio de septo, sou todo entupido". Entra no banheiro com um remédio e produz sons, bem, não muito agradáveis.
Retoma a entrevista. Chego ao seu ponto C, de Cazuza. Questiono se incomoda esse diz-que-me-diz em torna dessa relação. "Sim. Não falo mais sobre isso. Nem sobre Cazuza, nem sobre Secos e Molhados". E por que? "Porque a entrevista vira só aquilo". Lembro que uma última entrevista que abordava bastante isso havia sido publicada na Folha de S. Paulo, na coluna da Mônica Bergamo. Ele diz que foi a partir de então que decidiu encerrar o assunto. "Porque se não toda a entrevista vira só isso. Fica parecendo que eu quero me promover em cima do Cazuza".
Aproveito para retomar as recentes declarações de Caetano Veloso ao Estado de S. Paulo, na Sonia Racy. Ele faz cara de reprovação. Pergunto se é um erro da imprensa buscar personalidades para falar sobre tudo, como se Caetano fosse um expert em todos os temas. Ney concorda. "Um dia me ligaram para repercutir a separação do Chico (Buarque) com a Marieta (Severo). O cara me pergunta o que eu achava disso. Disse que não achava nada, que eles eram maiores de idade e sabiam o que fazer das tuas vidas. O cara ainda ficou puto. E o que eu tenho a ver com isso?".
Ainda assim ele se manifesta sobre política "como um brasileiro que acompanha essa pouca vergonha". "Acho bom a entrada da Marina (Silva, do PV) para balançar o coreto da outra (Dilma Roussef, pré-candidata do PT). O presidente não pode achar que temos de seguir o que ele fala ou quer".

Rubrica
Reproduzi esse encontro, parcialmente publicado no Guia do Estado da semana passada (13/11), porque estava revendo o 'Por Toda a Minha Vida', exibido na última quinta na TV Globo, que falou de Cazuza. Ney aparece no programa. Dá seu depoimento. E diz que Cazuza foi muito mais do que sexo - foi um amor. Ano que vem faz 20 anos que Cazuza morreu e que a música ficou um pouco mais sem graça, careta, medrosa. Poucos falaram de amor e de política como esse eterno exagerado. Ainda bem que temos Ney Matogrosso. Um outro igualmente exagerado: um veneno antimonotonia.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Um feliz encontro de ausências




Tema incômodo, peça imperdível
Hamelin, sobre pedofilia, com o galã Vladimir Brichta, é a grata surpresa da atual temporada paulistana


"Um dia minha filha chegou com uma mordida no braço. Perguntei o que era. Ela disse que tinha sido a babá. Mas a babá me deu outra versão. Fiquei em conflito, mas, ainda que minha filha estivesse mentindo, afasteia moça do serviço." O relato do ator Vladimir Brichta ao repórter do Estado ocorre em cima do palco, momentos antes de protagonizar Hamelin, em cartaz até o dia 29 no CCBB. Com um caso real, expõe uma das essências do drama policial que protagoniza há um mês: a possível dissimulação infantil.

O texto do espanhol Juan Mayorga, adaptada por André Paes Leme, centra a história num suposto caso de pedofilia que envolve um figurão da cidade (Alexandre Mello). Vladimir é Monteiro, o juiz que busca incriminar o sujeito. Mas ele tem apenas imagens coletadas do computador do acusado, além do depoimento do irmão mais velho da "vítima". O juiz vai ouvir então a criança. Pergunta três vezes, até extrair a afirmação de que o homem o tocava durante o banho, nos fins de semana em seu sítio. "Mas ele insiste na pergunta para conseguir a verdade ou para forjar a mentira?," provoca Vladimir. "Em Hamelin, nada é conclusivo", emenda. Ao que o diretor intervém: "A conclusão é fácil, difícil é viver com a dúvida."

De fato, cabe ao espectador entender as dúvidas e os conflitos sugeridos em cena. Mayorga impõe rubricas levadas por meio de um comentarista. André Paes Leme ampliou a situação: todos os seis atores, com exceção de Vladimir, se revezam nos comentários, numa dinâmica pontual. Eles funcionam como ilustradores de cena, em perfeita sincronia. E intrigam, em situações como, por exemplo, a em que Monteiro se encontra com a psicóloga (Patrícia Simões) e não responde à mão estendida. Entra o comentário: "Monteiro ignora a mão estendida, ou finge que não vê. E a cumprimenta com um beijo." Monteiro não viu ou preferiu o contato mais íntimo? Quem forma (ou deforma a linguagem) é o espectador. "Ele é manipulado, como a sociedade nos manipula", pontua André.

PREENCHIMENTO DO VAZIO

Não há praticamente recursos cênicos em Hamelin. Apenas uma mesa, luminárias (que os atores acendem e desligam) e um "cantinho" do café. Também não há figurinos. "Me entedia a sensação de maquiagem. Meu trabalho é na essência dos atores", diz o diretor. O elenco se reveza em mais de um papel, como Oscar Saraiva, que atua como a criança abusada e o pai da mesma. Assim, em momento algum o encontro entre o pai e o filho se realiza.

Em 90 minutos, a trama se espalha para outros temas. É um dedo em riste em questões da sociedade e da família, que envolve o julgamento alheio, a manipulação e precipitação da imprensa (lembra o caso da Escola Base?) e o vazio entre a relação de pai e filho. Monteiro, veja só, busca a todo custo defender a criança do pedófilo, mas é impotente com a rebeldia da sua própria cria. Um dia, depois do trabalho, sua mulher conta ter sido agredida pelo filho. Ela apela para que Monteiro tente contornar a dramática situação. Ele nada faz.

São ações (e perguntas) como essas ou outras, a princípio ingênuas, como "Alguém quer carona para a missa?", que incomodam o espectador. "Imagina como deve ser para um pai ausente ver aquela relação do Monteiro com o filho. Ou pior: para um adulto, que por acaso goste de criança, se ver naquela situação?", indaga Vladimir. E conflitante é também - para qualquer um - quando Monteiro coloca o "pedófilo" contra a parede e ouve como resposta (ou defesa) para o seu sentimento: "Pode ser que eu goste de crianças, mas eu controlo meu desejo". E é possível condenar alguém por ter desejos?

LIGAÇÕES DO DESTINO

Foram momentos de ausência de André e Vladimir que resultaram neste feliz encontro. André, que já havia trabalhado com Vladimir duas vezes (A Hora e a Vez de Augusto Matraga e Um Pelo Outro), teve o texto apresentado pela sua mulher Patrícia Simões (a psicóloga na peça). Estava atrás de alguém que pudesse fazer o protagonista. Cogitou que devia ser um ator mais velho. Vladimir, que acabara de fazer um blockbuster, o musical Os Produtores, buscava um texto em que conseguisse aprofundar o papel de ator. Algo forte, que exigisse entrega. "Ligava para todo mundo que estava montando algo", conta. Até que um dia atendeu uma ligação de André. "Ele falou sobre a peça e pediu indicações. Até sugeri alguns. Mas quando li, pensei, "sou eu"". E por quê? "Sou pai desde os 21, e a peça fala sobre educação e família; sobre falhas e ausências."

Se Vladimir encontrou o que queria? "Sem dúvida", diz, sob o olhar cúmplice do diretor. "Estou me agradando", completa, com sorriso entrecortado. Não é uma tarefa fácil. "Às vezes, dá vontade de chorar, de ver o quanto a gente é incapaz", diz Vladimir. Para André, "teatro não é só para rir": "É uma contribuição que faço à sociedade". Contratado da TV Globo, o ator sabe que deve ser escalado para algum projeto em 2010. Mas quer aproveitar o palco. "Hamelin é um jogo de cena contemporâneo que retoma o instrumento mais antigo do teatro: o poder da palavra." Para Vladimir, a peça merece ser levada a "pontos inimagináveis do País". Já tem garantida passagem por Fortaleza e temporada no Rio. "É meu espetáculo mais necessário", corresponde o diretor. A rasgação pode soar clichê. Ao vivo, faz todo sentido.

Em tempo, André já rascunha novo projeto, idealizado antes até de Hamelin. O tema? A história real de uma menina que acusou o pai de abuso sexual, mas tentou voltar atrás, sem sucesso, quando ele já havia sido condenado. Vem (outra) provocação das boas por aí.

* publicado originalmente no Caderno 2, do Estado de SP, do dia 18/11/2009