segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

"Riscos me deixam feliz"



Sem contrato com a Globo, Eduardo Moscovis segue com projetos pessoais. E diz que incentivo cultural é “desgastante”

Por Pedro Henrique França, do RIO, para Sonia Racy


São 16h15, sábado em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. “Já terminamos aqui, vamos tomar um café?” O chamado é do ator Eduardo Moscovis, a três quadras do repórter, no Forneria São Pedro. Ele finaliza o vinho rosé com a mulher Cynthia Howlett (com quem está há sete anos) e o sogro. Antes, dividiu um carpaccio de salmão e degustou uma lasanha de legumes. De sobremesa, mil folhas.
Du, como é chamado pelos amigos (como Debora Bloch que encontramos na saída), é do tipo low profile, que faz piada com os garçons. E não gosta de aparecer na mídia. No dia anterior à entrevista, estreou, no Espaço Cultural Sérgio Porto, a peça Corte Seco, de Christiane Jatahy. Um espetáculo instigante, em que o exercício do ator se renova a cada sessão. A diretora permanece no teatro todos os dias e decide, ao vivo, alterações no texto. Du sabe do risco – profissional e pessoal – e se diz motivado por isso. “Achei o Pedro sério ontem na plateia”, diz a Cynthia. “Gostou?”, interpela.
Programada para meia hora, a conversa se estende para quase duas. Na mesa, entre um chope e outro do repórter, ele debate questões como a polêmica do prefeito Eduardo Paes (PMDB), que ameaçou suspender a coleta por um dia para que os cariocas vejam o quanto poluem as ruas. Flamenguista e pai de três meninas (Gabriela, 10, e Sofia, 9, do primeiro casamento; e Manuela, 2, com Cynthia), discorre de política ao caso Geyse, da Uniban. “Acho tudo uma loucura.”
Além de Corte Seco, planeja para janeiro o início das leituras de seu primeiro monólogo, O Livro, com direção de Christiane e texto de Newton Moreno. Du deve vir em março com as duas peças a São Paulo. A seguir, a entrevista na íntegra (também disponível em versão editada na edição de hoje, do O Estado de S. Paulo na coluna da Sonia Racy, no Caderno 2).

Como surgiu Corte Seco? Eu estava num movimento de querer fazer um monólogo. Ano passado, quando fiquei em cartaz em São Paulo com Por Uma Vida Um Pouco Menor Ordinária, tive a oportunidade de conhecer melhor o trabalho do Newton Moreno. Fiquei fascinado. Até que chegou O Livro, de um texto dele. Conversamos sobre quem poderia dirigir. E chegamos ao nome da Chris (Christiane Jatahy).

E como acabou entrando Corte Seco? Aconteceu que ela estava já envolvida com esse projeto. A princípio, ela faria então essa peça e depois me dirigia no monólogo. Até que ela me chamou para um café e falou “Para que esperar separado se a gente pode trabalhar junto?”. Ela argumentou que se eu já estivesse no Corte Seco o próximo trabalho seria mais fácil. Fiquei na dúvida mortal do geminiano, mas acabei aceitando.

Sobre o que irá falar O Livro? Ainda não está definido. O texto é sobre um adolescente que recebe um livro no qual revela uma indicação da sua vida. É um lance hereditário: quem recebe sabe que é o ‘escolhido’ para perder a visão. Mas combinei com o Newton e eu e a Chris vamos levar material, discutir e levar isso a ele para pensar os caminhos. O Newton diz que é um texto sobre espiritualidade, mas podemos ter uma outra visão.

E por que um monólogo? A ideia é ter um espetáculo de manga, que eu possa montar ele quando e onde eu quiser. Achei que era a hora.

A atual, Corte Seco, é uma peça difícil. Você reconhece estes riscos? Tem o meu risco pessoal, por disponibilizar cinco meses da minha vida abdicando de outros projetos. O fato de ele ser muito autoral tem o risco do que está tendo de resultado no público. O único risco apreensivo, no sentido de estimulante, é o de ficar a mercê da diretora, que te obriga a ficar de alerta para as mudanças. Mas todos esses riscos me deixam feliz. O valor da pesquisa, da linguagem, do meu processo de improvisação está ganho. Agora é ver onde a gente pode mexer dentro dessa linguagem.

Você está a três anos sem contrato com a TV Globo por uma opção pessoal tua. E os riscos financeiros? Eu me organizei para isso, me planejei. Eu tenho um custo de vida alto, né? Tenho ex-mulher, três filhas, mulher atual. Eu quis isso. Precisava dar uma redirecionada na história. Minha relação com a emissora sempre foi muito boa, mas eu precisava me motivar, tentar caminhos diferentes, desvincular um pouco minha imagem que a TV massifica. Queria ser mais dono das minhas escolhas.

Mas o fato de estar no ar não colabora para conseguir patrocínio para os projetos teatrais? O fato de estar no ar e conseguir patrocínio é uma máxima que não é exatamente a verdade. No meu caso, as peças que fiz não eram comerciais. O público que porventura foi me assistir por conta da TV talvez tenha se decepcionado (risos). Mas no mínimo viu uma coisa diferente.

Mas você tem essa segurança de que a hora que você quiser você volta para a TV? O mais interessante disso é o “a hora que eu quiser” ao contrário. Não tem a hora que eu quiser. Por isso, o mais interessante é o esforço em me manter bem para que as pessoas se interessem por mim. Eu quero é abrir o leque: cinema, teatro, TV...

Qual é seu momento agora? De fazer coisas diferentes. Quero explorar mais e conviver com o cinema. No teatro, conseguir fazer um monólogo, que nunca fiz, e em paralelo estar num projeto com dez atores. É como em Corte Seco, no sentido de trabalhar as possibilidades. Estar num caminho e, de repente, ir para o outro.

Mas imagino que, mesmo sem contrato fixo, você tenha sido sondado para novelas. Essas recorrentes recusas não podem te atrapalhar? Esses ‘nãos’ existiram, mas não foram aleatórios, gratuitos. Por sorte, ou não, eu estava ocupado quando recebi esses convites.

Como você entrou nesse universo de ator? Eu fazia Administração de Empresas, trabalhava com meu pai. Mas quando estava no segundo ano, tranquei. No início de 1989, eu sofri um acidente de carro na Dutra e tive que ficar de molho em casa. Um dia, encontrei uma amiga que estava indo para um curso livre de improvisação. Quando o Damião foi remontar ‘Os 12 Trabalhos de Hércules’ me candidatei. E aí começou: fui para O Tablado, depois para Oficina de Atores da Globo.

Seu primeiro grande sucesso foi com Nando, de Por Amor, em que você fazia par com a Carolina Ferraz. Te assustou? Na verdade eu já estava há uns seis, sete anos vivendo isso. Minha primeira novela, que foi Pedra Sobre Pedra, já foi bem legal. Depois, protagonizei As Pupilas do Senhor Reitor. Então, não me assustou muito, mas comecei a olhar a coisa de uma outra maneira. Veio no momento certo, já estava mais maduro.

Que outra visão é essa? Cara, eu não compro, nem cultivo essa visão de celebridade. Aconteceu, vivi, foi ótimo. Mas não me deslumbra. Estamos aqui conversando, os dois de chinelo, e está tudo ótimo.

Paparazzis te incomodam? Me irrita, sim. Finjo que não vejo. Quando estou de bom humor até tento lidar melhor com isso. Mas não concordo, acho abusivo. E a internet aumentou muito esse mercado. De repente, a gente tá aqui o cara vem e bate uma foto. Ou o cara vai pega um guindaste e tira foto da filha de não sei quem. Não é nada, mas já é notícia. Então, me incomoda, sim, eu estar na praia e ter um cara a dez metros clicando tudo e eu não poder fazer nada. Acho que poderia ter um mecanismo de proteção melhor para isso. Tem limites para tudo.

Você, pai de três meninas (Gabriela, 10 anos, e Sofia, 9, do primeiro casamento; e Manuela, 2, com Cynthia), o que achou do caso Geyse Arruda, da Uniban? Machismo de lado, achei tudo uma loucura. Desde ela ir com aquele vestido, o que em nenhum momento deveria provocar aquele tipo de reação nos estudantes, até ela ser expulsa pela universidade. E de repente ela ter interesse em posar para a Playboy.

O Eduardo Paes causou polêmica com a questão do lixo carioca ameaçando suspender a coleta por um dia. O que você acha disso? Tem os dois lados. Tem que chamar atenção mesmo para o fato, mas tem uma coisa que é cultural daqui e independe da classe. Tem nego de Mercedes que joga maço na rua. Mas o resultado, caso essa medida seja realizada, é que a cidade vai ficar – ainda mais – fedida. Por outro lado, independentemente disso, ele (Eduardo Paes) vem se mostrando preocupado, tem um interesse mais sincero com nossos problemas.

Nesse sentido, você crê numa melhora por conta da Olimpíada? Como pessoa otimista, claro que espero que as coisas melhorem e que essa galera (governantes) de agora utilizem isso da melhor forma. Mas sendo sincero, os últimos eventos, como o PanAmericano, provam o contrário. Não quero parecer pessimista, mas não posso ser ingênuo. Estou pagando pra ver.

Você não é um artista que associa sua imagem à política. Não gosta do assunto? Não me sinto seduzido por esse universo. Acompanho, mas tenho preguiça de falar disso. Mas no ano passado fiz uma coisa totalmente fora do meu perfil. Estava num jantar com amigos e a gente estava debatendo um movimento que existia de pessoas que queriam votar no (Fernando) Gabeira (candidato derrotado à Prefeitura do Rio) mas sentiam desperdiçando o voto. Cheguei em casa e fiz um e-mail para uns dez amigos convocando para uma caminhada em que todo mundo usaria uma peça verde (em alusão ao PV) para demonstrar nosso interesse. Não era um movimento político, mas de afirmação do voto. Mandei o e-mail e fui viajar para uma gravação. Dois dias depois, falei com a Cynthia e ela me disse que o negócio já estava uma loucura. No fim, até o Gabeira se envolveu e ele foi para o 2ºturno. Foi a única vez que me envolvi nessa história.

Já tem candidato para 2010? Existe esse movimento de Lula, os números de crescimento... Ao mesmo tempo, tantos escândalos sublimados, envolvimentos familiares. Um posicionamento (do Lula) ou falta de... Não sei. Ainda não apareceu ninguém que me mostre uma nova possibilidade.

E com relação às discussões de políticas de incentivo cultural? Participa? Menos do que eu gostaria. Mas vou te falar, essa questão de incentivo é tão desgastante. O que é pleiteado é tão pouco. Dá uma sensação de mendicância. Aí os caras vem com a contra-argumentação que tem que investir em saúde, educação... Sinto que às vezes (a cultura) parece uma coisa supérflua. Tá, tem cara sem casa, sem saneamento. E isso deve ser feito, mas não é um problema exatamente nosso. Aí a gente acaba se virando, mas bem longe do jeito que poderia ser.

3 comentários:

ju disse...

eu adorei. achei um privilégio (do Du, claro)

Pedro Henrique França disse...

Hahaha... Boa Ju! O que seria de mim sem esses amigos massageando meu ego... :p

Ecos - vida e morte de Toninho do PT disse...

tá ai um bom tema para refletir