segunda-feira, 5 de outubro de 2009

indicação

"Trilha desmatada com mel"


reportagem de CLARA BECKER na edição de outubro 2009 da Revista PIAUÍ sobre Marinete, a depiladora de elite. Vale também ler o perfil de José Serra, pela jornalista Daniela Pinheiro. Segue abaixo uma amostra da reportagem da concorridíssima Nete.

"É aqui mesmo?", perguntou o motorista. O táxi tinha parado diante de uma birosca, ao lado de um beco, da estrada Santa Marinha, ao pé da favela Vila Parque da Cidade. Era lá mesmo. Dali para a frente, a cantora Nina Nunes teria que subir o morro a pé, que tem uma fronteira imprecisa e porosa com o bairro da Gávea, na Zona Sul carioca. Pela primeira vez a cantora galgou os degraus de cimento que serpenteiam pela Vila Parque adentro, formando um labirinto errático de ruas asfaltadas e prédios (que pagam o iptu) e vielas entupidas de barracos (irregulares e ilegais).

Nina Nunes ia à casa da Nete. Lá em cima da Vila Parque, como cá embaixo no asfalto, incluindo endereços de iptu mais caro do Rio, Nete é um nome que abre muitas portas e pernas. Fora do morro, suas freguesas, por mais famosas ou abastadas que sejam, lhe confiam segredos que não abrem nem para psicanalistas ou para revistas de celebridades.

Nete é Marinete Campos, uma depiladora de mão cheia, dona de uma agenda que é um verdadeiro quem-é-quem na selva de virilhas da alta roda carioca. Seus preços são cabeludos, mas ela cobra só a metade das clientes que se disponham a subir o morro. E Nina estava precisando de uma boa poda nos gastos. Nete, que é também manicure e pedicure, atendeu-a em seu apartamento com chão de tábuas corridas e móveis de madeira clara da rede de lojas Tok & Stok.

Pior, disse a cantora, seria passar pela experiência excruciante em mãos menos hábeis. Entre um gemido e outro, Nina contou a Nete durante a sessão que estava numa fase de aperto. Sua pequena empresa acabara de quebrar e ela juntara dívidas. A depiladora ofereceu-lhe, na hora, um empréstimo de 10 mil reais, com prazo a perder de vista e sem juros. Nina recusou a oferta. E Nete, uma mulher de 43 anos e cabelos castanhos alisados, com a aparência de quem já teve uma vida dura, e o leve excesso de peso de quem agora leva uma vida farta, honrou a fama de ser bem mais que uma prestadora de serviços supérfluos.

"Todas elas desabafam", disse a fada do mel. Durante as sessões, elas comentam, sobretudo, problemas com marido e filhos. Quando a conversa escorrega para dificuldades financeiras, Nete sempre se oferece para ajudar. "Já peguei muito dinheiro emprestado com as clientes", explicou, "mas hoje eu também empresto dinheiro para elas, inclusive para gente famosa." Seu tom, nessas ocasiões, não é o de quem fala da vida alheia, e sim de quem trata de investimentos e negócios.

E os negócios, no seu frondoso ramo, se desenvolvem na velocidade do desmatamento da Amazônia. É o que informa a oitava edição do livro Depilação: o Profissional, a Técnica e o Mercado de Trabalho, de Ateneia Feijó e Isabel Tafuri, editado pelo Senac. Ele esclarece que a depilação "já conquistou o seu lugarzinho, por menor que seja, na história da economia deste país". Tornou-se "coisa séria e valorizada". Por isso mesmo é uma arte vedada a qualquer manicure "que queira sair por aí arrancando pelos a torto e a direito". "Não, não e não", proclama o manual.

No Rio, formam-se por ano 1 200 depiladoras só no curso do Senac. Elas competem por salários de, em média, 1 500 reais por mês. Mas Nete já deixou essa mata espessa há muito tempo. Ganha quatro vezes mais que a tabela. Tem quarenta clientes de fé, que pagam 70 reais por seus serviços de manicure e pedicure. E cobra 140 reais pela depilação do corpo inteiro, tosa que inclui sobrancelha, buço, axila, perna e virilha.

Suas tarifas, às vezes, oscilam para o alto: "Quando não gosto de alguém, jogo o preço lá em cima, cobro 150 reais só a mão. Se aceitarem, eu vou, dinheiro não leva desaforo para casa." Oscilam também para baixo porque ela concede abatimento de 50% a jovens que bancam a depilação com mesada. E oscilam conforme a distância: Nete cobra 500 reais pelo "serviço completo" na atriz Ana Paula Arósio, que mora na praia de Grumari, a uma hora e meia da favela Vila Parque.

Sua caderneta tem cantoras como Preta Gil e Marina Lima, atrizes como Glória Pires e Carolina Ferraz, famílias como a Marinho. Mais longe do que ela só foram as J. Sisters, irmãs capixabas que apresentaram às nova-iorquinas o brazilian waxing, complemento natural, por assim dizer, do biquíni cavado - outro produto de exportação da moda brasileira.

O brazilian waxing, jeitinho brasileiro de conter os pelos pubianos nos limites estritos dos mais exíguos triângulos de pano, emplacou na língua inglesa como um neologismo já devidamente dicionarizado pelo Oxford. Na Wikipédia, ele conquistou um verbete minuciosamente ilustrado e que, como o assunto em si, não esconde nada. Com salões em Manhattan, pioneiros na disseminação no exterior da técnica nacional, as J. Sisters ficaram milionárias.

Nete não pode se queixar. Tem uma cobertura duplex na favela com três suítes, terraço, sala de televisão e paredes decoradas com pratos da Confraria da Boa Lembrança. Tem um Fiat Idea novinho na porta e uma empregada doméstica na cozinha. Sua geladeira é daquelas que despejam gelo no copo sem abrir a porta.

2 comentários:

juliana disse...

bom também!

Noia disse...

Eu li essa matéria no metrô, as 23h00. As pessoas me olhavam, já que eu estava rindo demais. Uma das melhores que já li!