segunda-feira, 6 de julho de 2009

de cara com selton

entrevistar selton mello foi uma experiência dessas que a carreira de jornalismo te proporciona. e que quando você vê dá vontade de ficar horas a fio naquele bate-papo. alguns vieram me questionar em seguida se ele era arrogante, se era chato, se era blasé. selton não é nada disso. o mineiro que cresceu em são paulo e é radicado no rio é extremamente humilde. fala pausadamente, com tranquilidade. fuma um cigarro atrás do outro e pergunta de coração: "você viu o filme? o que achou? se emocionou?". foi uma experiência demorada, diga-se de passagem. começou na cabine de imprensa de jean charles, às 10h, seguiu-se com uma coletiva que terminou lá pelas 14h30 e uma lista de espera de entrevistas individuais. de veja a contigo. entre uns e outros, minha vez só foi às 17h. valeu a pena. ver aquele menino que me fazia acompanhar a novela a indomada e que me deixou embasbacado no cinema com o auto da compadecida, árido movie, meu nome não é johnny e etc foi gratificante. abaixo o blog reproduz os melhores momentos da entrevista.

você está com três longas em cartaz ao mesmo tempo - a erva do rato, jean charles e a mulher invisível. como lidar com essa superexposição?

que loucura. pessoalmente não me agrada em nada. se pudesse, um ia estrear em fevereiro, outro em outubro e outro depois. mas isso está fora do meu controle. foi exatamente os três filmes que eu fiz no ano passado. com espaço entre eles:

mulher foi no verão, erva foi lá pra abril e jean charles em setembro. jamais imaginei que todos iam estrear juntos. eu não gosto da ideia. mas, foi assim que aconteceu então beleza. só espero que os filmes não se atrapalhem. e que o público consiga ter algum distanciamento. é um mês assim ame-ou deixe-o. certamente tem muita gente que gosta muito do que eu faço. pra essas pessoas: maravilhoso, vão poder me ver fazendo várias coisas. pra quem me acha um canastrão de quinta categoria, será um mês infernal. mas fiquem tranquilo, acabando o mês eu sumo.

são três filmes com apelos diferentes.

acho que são públicos bem diferentes, sobretudo a erva do rato que é um público específico, de quem acompanha o trabalho do bressane. a mulher é claramente comercial, uma comédia com 1 milhão de espectadores e tem folego pra ir mais pra frente ainda. o jean parece que tem as duas coisas, mas é um mistério. pode ser visto por muita gente, mas também pode ser percebido por um público mais seleto. não tenho ideia.

2008 foi um ano intenso. e você chegou a declarar ter tido problemas decorrentes disso.

foi um ano que eu estava em crise com a profissão, tava trabalhando muito, estava insatisfeito, achando que estava trabalhando mal. tava nessas. e foi assim. ela veio vindo e chegou no auge no jean, que foi no fim do ano. já tava em londres, vc tá longe, tem saudade. tem muito do que o filme fala. na verdade, me identifico. nasci no interior de minas, fui criado em SP. me emociona esse personagem, a simplicidade, pedir autógrafo pro sidney magal. aquilo me pega num lugar especial, de quando isso acontece comigo, de gente simples sobretudo. às vezes tô num lugar, me pedem um autógrafo, e, pô, claro. sou eu (jean) com o magal, estou representando essas pessoas que também gostam do que eu faço.


no ano passado você estreou seu primeiro longa, como diretor. como foi a experiência e como é, agora, ser dirigido depois de estar atrás das câmeras?

se torna mais claro, na verdade. foi uma experiência maravilhosa, pude entender o outro lado. e tem coisas técnicas que fazem a diferença. sempre fui um ator autor, um cara curioso, que questiona a direção. sempre tive isso, pensamento técnico sobre o cinema. e o ator tem que ser assim. é bom. e o curioso que acontece é que gente que não me conheceu antes, agora quando vou fazer um trabalho, e faço a mesma coisa que sempre fiz, soa meio assim "agora o cara dirigiu um filme fica aí cheio de perguntinha técnica". não, sempre foi assim. mas foi bom, tem muitas coisas técnicas que pude conhecer. por exemplo, o som. sempre fui meio rebelde, de achar chato ficar com lapela, com transmissor, e agora sei da importância de um som bom.

para 'a festa da menina morta' matheus nachtergaele cogitou dirigir e atuar. você pensou assim?

no 'feliz natal' nem pensei nisso, não passou pela minha cabeça. no próximo, que eu já to escrevendo e que ainda não tem nome, pensei sim. é sobre um circo como personagem, que conta a história de um palhaço em crise com a profissão. nada mais é que sublimar, transformar em arte um sentimento que vivi de verdade no ano passado. de me sentir inadequado, colocar em xeque o que estava fazendo. é saudável passar por esse questionamento, pra você crescer. então isso virou o filme. eu escrevi pra atuar. mas hoje já estou na dúvida. acho que por ser tão pessoal talvez seja até mais saboroso não atuar e chamar algum ator que eu confio para ficar atrás das câmeras.

qual a dificuldade técnica de dirigir e atuar?

não sei. saberia fazendo. mas fico imaginando que deve ser um negócio assim. uma hora vc tá montando um plano e o assistente me chama pra maquiagem. e eu doido pra elaborar o plano, mas se não for pra maquiagem.. não sei, tem que arranjar um jeito pra trabalhar. mas tô na dúvida. vou decidir mais pra frente mesmo se faço mesmo ou se passo a bola e curto a direção.

já tem previsão?

comecei agora a ir atrás de dinheiro, um primeiro tratamento de roteiro. sem pressa, vai vir no tempo dele. é meu próximo projeto como diretor. até tenho título provisório. mas hoje em dia... com a internet tudo vira definitivo. por exemplo, com o outro filme. teve algum momento que pensei em não ser 'feliz natal', mas não dava mais, é meio se perder um marketing.

sobre jean charles, você não acha que o filme deveria parar na morte? ou concorda com a exibição dos desdobramentos?

aprovo completamente. achei lindo a maneira como o filme acaba, de a vivian fazer a viagem. adoro a maneira sutil que a vanessa (giácomo) faz na terra dela. tem um papinho de interior rolando no quintal e você vê o olho dela de "não estou mais ali, estou em outra". é um filme sobre a vivian na verdade, ela é a grande protagonista. sempre foi. eu adoro o que a vanessa faz. acho que ela faz um trabalho muito bonito, sincero, verdadeiro.

houve alguma intervenção familiar?

não pra mim, pro henrique (goldman, o diretor) sim. ainda tem lá correndo o inquérito, as coisas todas. então, existe uma preocupação em como tratar esse personagem. não comigo, mas com o henrique. a cada cena, a cada tratamento, tinha que comunicar à família, mostrar como seria. tudo que está ali passou por isso.

você tinha algum receio de como o jean seria tratado para não virar um herói?

tinha e enxergava no material que o henrique tinha que ele não iria nesse caminho de herói. no fim, ficou um personagem cheio de relevo. ficou um cara muito de verdade. o cara que erra, acerta, tem saudade, oscilações de humor. isso é mérito da direção. ele tinha muitas armadilhas, e ele foi bem. de não glorificar, de não fazer da morte uma coisa espetaculosa. ele tinha um prato cheio ali e ele filmou de uma maneira simples, quase documental. gostei muito, fiquei muito feliz.

você cita semelhanças com jean charles. que semelhanças são essas?

tem um caipirismo ali que eu também tenho. qdo vou pra uma cidade como londres, ny, não fico à vontadão. tem algo que acua. isso ele sente e eu também sinto. a maneira como eu enxerguei londres não deve ter sido muito diferente dele. nasci no interior de minas, pai bancário, mãe dona de casa, nenhuma ligação com arte. não sei te dizer muito mais sobre isso. mas me identifico, é como se o jean pudesse ser eu se eu não fosse ator. não sei. uma vez em minas, um cara chegou pra mim, e eu botei isso no filme, "ó o selton mello, preciso apertar a mão desse prezado". isso entra no magal, tem uma humildade, um negócio ali que acho bem comovente.


em algum momento teve raiva dos ingleses?

não. mas acredito em coisas espirituais. lembro que passei boa parte em londres com uma dor na nuca que não passava, que foi bem onde o jean tomou os tiros. vai saber... de repente, dormia e tensionava. quando cheguei em londres, fui dar uma volta e cheguei no metrô tava cheio de policial, dei uma travada, voltei atrás. aí grilei, 'será que eles viram voltando?' 'será que estava com passaporte?' olha a nóia. mas aí entrei.

como era a reação das pessoas?

geral. pegava taxista e tinha muito interesse. se for lançado lá (em londres) pode gerar uma repercussão grande, porque tem bastante interesse de lá. de imigrantes, londrinos... ficava pensando, até tinha curiosidade. 'será que a polícia vai parar, não deixar (a gente rodar)?'. depois o henrique me explicou e eu fui entendendo exatamente o contrário, a gente tinha total apoio, porque se censurassem de alguma forma eles estavam quase assumindo a culpa.


você disse que vai sumir depois desses três filmes. como assim?

não faço nada. esse meu filme deve ser pro ano que vem. a única vantagem de os três - a erva do rato, mulher invisível e jeans charles - estrearem juntos é que depois fiquei livre. foi uma megaexposição, que tudo o que eu fujo sempre. e caiu nessa.


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